Entenda Reforma Tributária do Consumo e o que devemos acompanhar

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Direto ao ponto:

  • Um sistema tributário ideal é justo e eficaz e assim contribui para o aumento da produtividade da economia, impactando no crescimento sustentável de longo prazo e no próprio desenvolvimento do país. Para isso, as regras devem buscar ser simples, diminuir distorções e reduzir a regressividade.
  • O sistema tributário brasileiro, por sua vez, é complexo, regressivo, cumulativo e diminui a competitividade da indústria nacional. Estamos no 184° lugar de 190 países na categoria “pagamento de tributos” do Doing Business Rank, com as empresas gastando em média 1.958 horas por ano para declarar suas obrigações corretamente.
  • A reforma dos tributos sobre o consumo (PEC 45/2019) é a primeira fase da reformulação mais geral, que deve incluir, posteriormente, a reforma dos tributos sobre a renda, patrimônio e desoneração da folha.
  • A PEC 45/2019 tem quatro princípios de acordo com o próprio governo: simplicidade, transparência, justiça tributária e o equilíbrio e defesa do meio ambiente. Essa não é uma reforma que vai lidar com o problema da regressividade, por exemplo, e nem mesmo tem o intuito aumentar a carga tributária total, apenas mantê-la.
  • De maneira simplificada a ideia é criar um IVA dual que substitui PIS, Cofins e IPI na Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) – de competência federal e ICMS e ISS serão substituídos pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que é de competência dos estados e municípios. 
  • A PEC 45/2019 já passou pela Câmara e chegou ao Senado, onde vai precisar ser analisada primeiro pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e depois pelo Plenário. No Senado será importante observar principalmente a inclusão ou enxugamento dos regimes favorecidos e específicos, se vai ser estabelecida uma alíquota máxima, o valor e a forma de partilha dos recursos do Fundo de Desenvolvimento Regional,
  • Após a aprovação da PEC, a elaboração das leis complementares para regulamentar o tema e o andamento da reforma de renda e a desoneração da folha são pontos-chave para a competividade e crescimento econômico do Brasil.
  • Por fim, vemos que, para o mercado financeiro, uma parte do otimismo inicial com o encaminhamento da agenda econômica já está precificado. Hoje os investidores aguardam o desfecho por completo dessas pautas, mas já com menos prêmio.

Discutir a Reforma Tributária é um exercício extremamente importante, visto que a forma como um país arrecada seus tributos afeta diretamente a alocação interna de recursos. As distorções causadas por um sistema tributário ineficiente impactam na produtividade da economia, no crescimento sustentável de longo prazo e no próprio desenvolvimento do país. 

Nosso objetivo é analisar, do ponto de vista macroeconômico, se as mudanças propostas na PEC 45/2019 estão caminhando no sentido de tornar o sistema tributário mais eficaz e justo. Para isso, partimos de o que a literatura sobre o assunto traz de “como deveria ser” um sistema tributário. Analisaremos o que temos hoje vigente e o que foi proposto no texto aprovado pela Câmara. Por fim, discutiremos quais as principais mudanças que estão sendo discutidas no Senado.

O MODELO IDEAL:

De partida, é preciso ter em mente que entre o “ideal” e “o que é viável” existe todo um sistema complexo de interesses políticos e econômicos que, por vezes, distanciam esses mundos. Porém, isso não quer dizer que a realidade não possa ser objeto de análise. Pelo contrário, justamente porque a resultante dessas forças moldam o resultado que vemos, ao compararmos o que temos com o “modelo”, conseguimos identificar núcleos de poder e entender melhor para onde estamos indo.  

O IPEA recentemente elaborou uma Carta de Conjuntura sobre o assunto e elencou que um sistema tributário eficaz e justo deveria possuir: 

  • Equidade: distribuir os encargos tributários de acordo com capacidade de pagamento dos contribuintes.
  • Simplicidade e transparência: sendo de fácil entendimento para que os contribuintes compreendam suas obrigações e possam cumprí-las.
  • Elasticidade: o sistema deve poder se ajustar às mudanças econômicas e manter as regras estáveis, mantendo a previsibilidade. 
  • Baixo custo de conformidade, ou seja, os custos para arcar com as obrigações deve ser baixo. É importante que o grau de sonegação, de elisão, de inadimplência e que a perda de arrecadação pela judicialização seja minimizada. 
  • Eficiência ou neutralidade econômica, um bom sistema deve minimizar distorções e os impactos negativos sobre a alocação de recursos. 

Alguns pontos, como a simplificação, evitar sonegação, e adaptabilidade, são auto-explicativos, Porém é válido ressaltar que a busca pela redução das desigualdades (sociais e regionais) é parte central dessa discussão e ela pode ser endereçada de várias formas.

Uma delas é tornar o sistema tributário mais progressivo, ou seja, arrecadar mais de quem realmente dispõe de mais recursos, mais renda e patrimônio. Sistemas tributários que dão ênfase aos impostos indiretos, como os impostos de consumo (IPI, ICMS etc.), são considerados regressivos. Por sua vez, os sistemas que dão maior ênfase aos impostos diretos (IR e ITR) são progressivos. Como as pessoas com menor renda consomem, proporcionalmente, a maior parte dos seus recursos, ao se tributar o consumo, o princípio da equidade é ignorado e o sistema acaba privilegiando os mais ricos.

A tributação também interfere nos incentivos para a instalação de empresas em uma localidade ou em outra. A depender de como as regras são estabelecidas, pode ser criado um ciclo de ação e reação na busca por quem oferece mais “vantagens” tributárias. Essa competição entre estados e municípios é chamada de guerra fiscal que intensifica as desigualdades regionais.

A guerra fiscal, além de potencial redução de receita, também pode gerar aumento das disparidades regionais. Fora isso, as distorções econômicas que beneficiam de maneira desigual alguns agentes ou setores também é prejudicial para o ambiente econômico, por gerar artificialmente uma competitividade para empresas que são menos eficientes e que se tornam dependentes desse benefício fiscal.

Esse tipo de distorção econômica pode inclusive aumentar a dificuldade de planejamento de longo prazo para as empresas, visto que ficam reféns de regras que podem mudar com uma alteração de governo, com impactos na viabilidade de seus negócios. 

Em resumo, um sistema tributário justo e eficaz busca ser simples, diminuir distorções e reduzir a regressividade (aumentando a participação da arrecadação por impostos diretos). São nesses termos que precisamos analisar o que temos hoje em vigor e o que está sendo proposto.

O MODELO ATUAL:

O atual sistema tributário brasileiro é tido como um dos mais complexos do mundo. Estamos no 184° lugar de 190 países na categoria “pagamento de tributos” do Doing Business Rank, estudo feito pelo Banco Mundial que mensura o ambiente de negócios de cada país, na frente apenas de países como Venezuela, Bolívia e Congo. 

Além disso, de acordo o Global Revenue Statistics Database, o Brasil é um dos países que mais tributa o consumo: 14,2% do PIB em 2019, contra 10,8% da média da OCDE (ver gráfico). 

Como vimos, tributar o consumo aumenta a regressividade do sistema, o que gera distorções e prejudica os mais pobres. De acordo com o IPEA, a carga dos tributos indiretos pagos pela faixa de menor renda é 21,2% de sua renda per capita, enquanto a de maior renda paga 7,8%.

Hoje, a tributação sobre o consumo no Brasil tem cinco principais impostos com três esferas de competências diferentes: 

  • Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) são competência da União;
  • Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) está sob a administração dos estados
  •  Imposto sobre Serviços (ISS) é um tributo municipal

O próprio governo elencou que o sistema brasileiro é o pior do mundo e cita que a desde a CF/1988, foram editadas mais de 460 mil normas tributárias no Brasil, o que leva a uma complexidade excessiva. Segundo o Doing Business, são gastas na média, 1.958 horas por ano para uma empresa declarar suas obrigações corretamente. Para efeito de comparação, em Hong Kong que ocupa o primeiro lugar do ranking nesse quesito de pagamento de impostos, uma empresa gasta apenas 34,5 horas com isso. 

Essa complexidade, além de gastos com um time de tributaristas, gera insegurança jurídica e elevado grau de litígio para as empresas, afasta investimentos estrangeiros e reduz a eficiência das companhias.

Uma outra característica do atual sistema é que a cobrança dos tributos é na origem. Isso permite que exista essa guerra fiscal entre os estados. Dado que se tributa onde o produto é produzido, os estados concedem benefícios tributários para atrair esses investimentos, especialmente de fábricas, fomentando distorções econômicas e a ineficiência alocativa. É o que o secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, chama de “federalismo fratricida”.

Outro grave problema é a falta de transparência do atual sistema. Além da incidência de tributos em cascata (cumulatividade) que afeta as cadeias produtivas mais alongadas, os tributos são cobrados sobre eles mesmos (por dentro). Isso acaba elevando o preço final dos bens para o próprio consumidor. Esse tema é abordado em um estudo feito por Stiglitz e Rosengard (2015), onde argumentam que a cumulatividade é um dos fatores que gera distorções nos preços relativos, de modo a reduzir o bem-estar dos consumidores. 

Essa estrutura cumulativa, também leva a termos um setor industrial que é  tributado mais que a média da economia, mesmo tendo uma produtividade maior. Uma tributação que distorce os incentivos pode induzir a redução dos investimentos nesses segmentos. 

Em resumo, o sistema tributário brasileiro é complexo, regressivo, cumulativo e diminui a competitividade da indústria nacional. Estamos apenas abordando a forma de tributar – não vamos entrar nos usos do dinheiro público. A estrutura atual gera distorções alocativas e perpetua as desigualdades sociais e regionais incentivando uma guerra fiscal entre os estados. Em última instância esse conjunto de características prejudica o próprio país, desestimulando investimentos e travando o crescimento da economia brasileira. 

O MODELO PROPOSTO:

É preciso entender que a maior parte dos agentes econômicos concordam que é preciso melhorar o sistema tributário atual. Porém a dificuldade é chegar em uma fórmula que seja politicamente viável. Qualquer alteração modifica a relação de forças e interesses que hoje representam o status quo. E quando se fala em tributação, não só setores da atividade entram em cena, mas também as administrações municipais, estaduais e federal. Mudar a forma de tributar modifica também as receitas que chegam aos cofres públicos em todas as esferas. 

Por isso, a reforma tributária foi divida em duas fases principais: a reforma do consumo (ou dos tributos indiretos – que está tramitando como a PEC 45/2019) e a reforma da tributação sobre a renda (tributos diretos) e a folha – que ainda não está na pauta do Congresso e o governo não definiu oficialmente quando será esse encaminhamento. Além disso, ao longo do período todo serão feitos ajustes na tributação sobre o patrimônio.

Esse entendimento das etapas é importante, para o alinhamento sobre o que está sendo proposto no momento presente. A reforma dos tributos sobre o consumo tem quatro princípios de acordo com o próprio governo: simplicidade, transparência, justiça tributária e o equilíbrio e defesa do meio ambiente. Essa não é uma reforma que vai lidar com o problema da regressividade, por exemplo, e nem mesmo tem como intuito aumentar a carga tributária total, apenas mantê-la . 

O modelo proposto em 2023 é uma composição das duas propostas que já tramitavam no Congresso desde 2019: a PEC 110/2019 do Senado e a PEC 45/2019 da Câmara (como se optou por iniciar as discussões pela Casa Baixa, prevaleceu a nomenclatura da PEC 45/2019).

De maneira simplificada a ideia é criar um IVA dual que substitui PIS, Cofins e IPI na Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) – de competência federal e ICMS e ISS serão substituídos pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que é de competência dos Estados e Municípios. 

Fonte: Câmara dos Deputados

A CBS e o IBS terão os mesmos:

  • Fatos geradores, bases de cálculo, hipóteses de não incidência e sujeitos passivos
  • Imunidades
  • Regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação
  • Regras de não cumulatividade e creditamento 

Todos esses aspectos serão definidos numa só lei complementar.

Imposto sobre Valor Adicionado (IVA)

O Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) é um imposto indireto de base ampla, que incide sobre o consumo de bens, tangíveis e intangíveis, e serviços no destino. O IVA é aplicado como uma porcentagem sobre o preço, de forma que a carga tributária fica visível e transparente em todas as etapas da cadeia, desde a produção até o consumo. 

Seu recolhimento é feito de forma fracionada: as empresas, ao recolherem o IVA, descontam o valor do IVA pago aos fornecedores da etapa anterior da cadeia de produção. Dessa forma, cada empresa recolhe apenas o IVA referente ao valor que adicionou à mercadoria ou ao serviço na sua etapa de cadeia, gerando créditos. É a chamada “não cumulatividade plena”.

Esse mecanismo desonera exportações e investimentos e garante que o IVA seja neutro, independentemente de quantas etapas haja na cadeia, não distorcendo a forma como as empresas se organizam.

A CBS e o IBS terão todas essas características de um IVA de padrão internacional adotado por 174 países, recomendado pela OCDE e pelo Banco Mundial.

Apesar das características compartilhadas com experiências internacionais, cada economia é única e o valor da alíquota-padrão dos países divergem de maneira significativa. A média da alíquota IVA nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) gira em torno de 20%. A taxa média da União Europeia está em 21%. Há exemplos de aplicação funcional do IVA acima e abaixo. No Japão, por exemplo, o imposto é 10%. Na Hungria, 27%.

Além da CBS e do IBS, também será criado um Imposto Seletivo (IS) de caráter regulatório, que incidirá sobre produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Este também será instituído por lei ordinária, a qual detalhará as mercadorias e os serviços sobre os quais incidirá.

O IS irá conviver com o IPI até 2033, quando este último será extinto. Entretanto, o imposto seletivo não incidirá sobre produtos tributados pelo IPI. O IS poderá ainda ser cobrado no mesmo ano de sua criação ou ter as alíquotas mudadas por decreto dentro do mesmo exercício. O novo tributo não será cobrado nas exportações e poderá ter o mesmo fato gerador e base de cálculo de outros tributos, integrando essa base de cálculo do ICMS e do ISS, enquanto ainda vigentes, e do IBS e da CBS.

Uma outra diferença em relação ao modelo vigente é que o IVA será um imposto cobrado “por fora”. Isso significa que o valor do imposto não é considerado na base de cálculo dele mesmo. Hoje, ICMS, PIS e Cofins são tributos “por dentro”, assim, a alíquota incide sobre sua própria base de cálculo, e fica embutido na nota fiscal. Isto é, o imposto incide sobre ele mesmo, não apenas sobre o valor do produto, o que implica em uma alíquota efetiva maior.

Fonte: Câmara dos Deputados

Os impostos serão cobrados no destino (local de compra ou consumo) e não mais na origem, o que diminui o incentivo à guerra fiscal.

A uma Proposta de Emenda Constitucional cabe definir quais seriam as regras gerais sobre como funciona o sistema tributário. As alíquotas e questões regulamentares serão definidas posteriormente via lei complementar.

PONTOS PRINCIPAIS:

REGRA GERAL:

Alíquota-padrão para todos os bens materiais e imateriais, inclusive direitos.

As alíquotas de referência do IBS e da CBS serão fixadas pelo Senado Federal e prevalecerão caso os entes federativos não fixem suas próprias alíquotas em lei específica. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já comentou que a alíquota do IVA deve ficar em torno de 25% ao fim do processo de transição, mas esse valor ainda precisa ser confirmado.

REGIMES FAVORECIDOS:

Os regimes favorecidos são os determinados na própria PEC e que vão poder ser contemplados com uma alíquota reduzida (40% da alíquota padrão) ou alíquota zero. Alguns bens e serviços das áreas do Agronegócio, Saúde, Educação, Esporte e Transporte estão incluídos nesse rol de regimes favorecidos. Essa é uma das listas que o Senado pode alterar. 

A Reforma cria a cesta básica nacional de alimentos, que terá alíquota zero de CBS e IBS. Os itens que comporão esta cesta serão definidos em lei complementar.

REGIMES ESPECÍFICOS:

Regimes específicos são aqueles em que o modelo de apuração difere do padrão do IVA. Isso não significa um regime mais benéfico, apenas que o regime normal de apuração do IVA não é aplicável.

Esse é o caso de:

  • Operações com bens imóveis (incorporação imobiliária, parcelamento do solo e alienação de bem imóvel, locação e arrendamento de bem imóvel)
  • Serviços financeiros (operações de crédito, câmbio, seguro, consórcio, arrendamento mercantil, previdência privada, capitalização, operações com títulos e valores mobiliários e outras que impliquem captação, intermediação, administração ou aplicação de recursos; e outros serviços prestados por instituições financeiras e equiparadas) 
  • Planos de assistência à saúde
  • Concursos de prognósticos
  • Combustíveis e lubrificantes 
  • Sociedades cooperativas 
  • Serviços de hotelaria, parques de diversão e temáticos, bares, restaurantes e aviação regional
  • Compras governamentais 

CONSELHO FEDERATIVO

Na nova regra também estabelece o Conselho Federativo do IBS que terá caráter eminentemente técnico e será gerido por 54 membros, sendo 27 representantes dos estados e 27 dos municípios. Ao Conselho caberá:

  • Editar normas infralegais sobre temas relacionados ao IBS 
  • Uniformizar a interpretação e a aplicação da legislação do imposto
  • Arrecadar o imposto, efetuar as compensações e distribuir as receitas por meio do Fundo de Desenvolvimento Regional e do Fundo de Compensações 
  • Dirimir questões no âmbito do contencioso administrativo tributário 
  • Assegurar  rápida devolução dos créditos de IBS aos contribuintes.

PERÍODO DE TRANSIÇÃO:

  • 2023: Emenda Constitucional da Reforma Tributária – assim que aprovada, já permite a adoção do imposto seletivo por medida provisória de maneira imediata.
  • 2024 e 2025: 
    • Leis Complementares que regulamentam: 
      • IBS e CBS 
      • Conselho Federativo do IBS 
      • Fundo de Desenvolvimento Regional 
      • Ressarcimento dos saldos credores acumulados do ICMS 
    • Lei ordinária do Imposto Seletivo
    • Desenvolvimento do sistema de cobrança da CBS e do IBS 
  • 2026: Ano teste da CBS (alíquota de 0,9%) e do IBS (alíquota de 0,1%), compensáveis com PIS/Cofins e com outros tributos federais. O que for arrecadado com o IBS em 2026 será destinado integralmente ao financiamento da estrutura do Conselho Federativo, criado para gerir o tributo, e o excedente irá para o fundo de compensação dos incentivos do ICMS. Essa alíquota do IBS continuará a ser cobrada até 2028.
  • 2027: Entrada da CBS, PIS e Cofins serão extintos, e a alíquota do IPI será reduzida a zero, com exceção de produtos que não tenham industrialização na Zona Franca de Manaus (ZFM). O Imposto Seletivo será instituído.
  • 2029 – 2032:  transição proporcional do IBS e extinção gradual do ICMS e ISS:
    • 10% em 2029
    • 20% em 2030
    • 30% em 2031 
    • 40% em 2032 
    • 100% em 2033
  • 2033: Fim do IPI, ICMS e ISS, vigência integral do novo sistema.  

Vale frisar que no texto também está inclusa um período de 50 anos (2029-2078) para transição da cobrança do IBS na origem para o destino. A proposta é que uma parcela decrescente da receita seja repartida conforme a participação atual dos entes na receita total e uma parcela crescente seja distribuída para o estado e o município de destino. Além disso, será estabelecido um seguro-receita no qual 3% da parcela do IBS distribuída pelo destino são usados para compensar os entes com maior queda da participação no total da receita.

OS FUNDOS:

Para que a aprovação do texto seja politicamente viável, a transição precisa permitir a adaptação dos agentes ao novo sistema. Então, para contornar a preocupação com perda de arrecadação por parte dos estados e municípios, o receio das empresas que recebem os benefícios tributários e os possíveis impactos da reforma na Zona Franca de Manaus, a PEC propõe três fundos distintos: 

Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR):

O FDR será um instrumento para redução das desigualdades regionais. A União aumentará os recursos do fundo em R$8 bilhões por ano, entre 2029 e 2033, quando, enfim, chegará a R$40 bilhões. Depois dessa data o fundo se manterá com esse aporte R$40 bi anual. 

Os recursos serão direcionados para fomento a atividades produtivas, desenvolvimento científico e tecnológico, obras de infraestrutura, inovação e difusão de tecnologias, dando prioridade a projetos com ações de preservação ambiental.

O valor do FDR foi uma pauta polêmica que gerou discussão entre os governadores. Os representantes dos Estados queriam um fundo de R$75 bi.

Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais:

A partir da criação, no substitutivo do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), do Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais ou Financeiro-fiscais do ICMS, as empresas poderão receber do governo federal os valores prometidos a título de incentivo, até 31 de dezembro de 2032. Assim, a Reforma Tributária proporciona segurança jurídica para que as empresas que recebem esses benefícios fiscais consigam se adaptar.

O Fundo de Compensação será financiado com recursos da União, da seguinte forma: entre 2025 e 2028 esse fundo cresce R$8 bi por ano. A partir de 2029, com R$32 bi, os recursos serão disponibilizados às empresas, coincidindo com a redução gradual dos incentivos em decorrência da redução das alíquotas do ICMS. Entre 2029 e 2032 o financiamento do fundo diminui R$8 bi até encerrar suas funções em 31 de dezembro de 2032. 

É válido notar que a partir de 2029, a soma dos recursos do Fundo de Compensação dos Benefícios Fiscais e do FDR já será igual a R$40 bilhões. Tanto o FDR quanto o Fundo de Compensação ficam fora dos limites de gastos previstos no arcabouço fiscal.

Fundo de Sustentabilidade e Diversificação Econômica do Estado do Amazonas:

O texto prevê ainda a criação, por lei complementar, do Fundo de Sustentabilidade e Diversificação Econômica do Estado do Amazonas, com recursos da União para fomentar a diversificação de atividades econômicas no estado.

Esse fundo poderá suportar ainda eventual perda de receita do estado com as mudanças da reforma. A União poderá colocar receitas adicionais no fundo, contanto que haja redução de benefícios, segundo acordo com o governo amazonense.

TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS:

As transferências constitucionais dos tributos extintos futuramente pela reforma continuam com os mesmos índices, com ajustes por causa da fusão do ICMS e do ISS e no direcionamento de parte da CBS para o pagamento do seguro-desemprego e do abono do PIS.

Assim, da arrecadação do IBS que caberá aos estados, 25% continuam a ser repartidos entre os municípios de seu território, mas com percentuais diferentes:

  • 85% do montante, no mínimo, proporcionalmente à população;
  • 10% desse montante com base em indicadores de melhoria nos resultados de aprendizagem e aumento da equidade segundo lei estadual; e
  • 5% em montantes iguais para todos os municípios do estado.

Esses índices de rateio valerão inclusive para a parcela que o estado deve direcionar aos municípios do recebido da União referente à arrecadação do imposto seletivo em função da exportação de produtos industrializados, que contam com isenção.

TRIBUTAÇÃO SOBRE O PATRIMÔNIO:

A Reforma ainda amplia a base de incidência do IPVA, de modo a incluir veículos aquáticos e aéreos, como lanchas e jatinhos. A ampliação não alcança aeronaves agrícolas e embarcações de transporte aquaviário e de pesca. Inclui a possibilidade de o IPVA ser progressivo em razão do valor e do impacto ambiental do veículo.

O Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) também poderá ter sua base de cálculo atualizada por decreto, conforme critérios definidos em lei municipal.

Além disso, o texto define de forma mais clara que o estado competente para cobrar o imposto sobre doações e heranças (ITCMD) com inventário extrajudicial será o do domicílio do de cujus. A nova reforma também permite aos estados cobrarem imposto sobre doações e heranças que envolvam o exterior, o que hoje não é possível pela falta de lei complementar. Por fim, assegura a progressividade das alíquotas, com base no valor da doação ou herança, observada a alíquota máxima definida por Resolução do Senado Federal.

TRAMITAÇÃO NO SENADO – O QUE OBSERVAR:

No dia 07 de julho de 2023, a PEC 45/2019 foi aprovada no Plenário da Câmara por 382 votos a 118 no primeiro turno e por 375 votos a 113 no segundo turno de votação. Eram necessários, no mínimo, 308 deputados a favor do texto. A expressiva votação é um sinal positivo para a tramitação, visto que inclusive partidos de oposição ao governo Lula deram apoio ao tema.

A reforma tributária chegou ao Senado e vai precisar passar primeiro pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e depois pelo Plenário. Como qualquer PEC, precisa de aprovação também ⅗ dos senadores (49) em dois turnos de votação.

O relator será o senador Eduardo Braga (MDB-AM). A expectativa é que a reforma seja concluída ainda neste ano. Rodrigo Pacheco havia antecipado um prazo de dois a três meses para o trabalho do Senado. Outra tendência é que a PEC não seja “fatiada”, ou seja, nenhum tema seja separado do conteúdo principal para votação futura.

Há, no entanto, potenciais revisões a serem feitas no Senado, principalmente se tratando de alguns pontos inseridos na PEC nos últimos instantes, como uma prerrogativa que autoriza estados e o DF a criarem um tributo local sobre produtos primários e semielaborados para financiar investimentos até 2043, antes prerrogativa da União. 

Além disso, três pontos são os que vamos prestar mais atenção na fase do Senado da PEC:

Aumento ou diminuição dos regimes favorecidos e específicos no Senado e o tratamento da ZFM:

A adição de isenções ou alíquotas reduzidas, além da ampliação dos regimes específicos afeta diretamente na definição da alíquota-padrão de modo a aumentá-la, visto que diminui a base de cobrança do tributo amplo. Além disso, o Senado também pode rediscutir o benefício da Zona Franca de Manaus (ZFM).

O valor e a partilha dos recursos do Fundo de Desenvolvimento Regional:

Os governadores estavam cobrando do Congresso que o FDR tivesse R$75 bilhões por ano. Como o FDR fica fora da nova regra do arcabouço fiscal, esse aumento de mais de 50% nos aportes do fundo deve ser observado de perto. Além disso, o critério de partilha dos recursos é objeto de disputa política.

Alíquota máxima:

De acordo com o coordenador e relator do grupo de trabalho (GT) da reforma tributária na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), Efraim Filho (União-PB), os senadores vão discutir a possibilidade de inserir na Constituição uma alíquota máxima para preservar a carga tributária neutra.

Redução do tempo de transição:

Outro ponto que está na pauta da discussão no Senado é a redução do tempo de transição de 50 anos do deslocamento da cobrança do imposto da origem para o destino. Ainda não há prazo alternativo.

PRÓXIMOS PASSOS:

Conforme falamos anteriormente, a Reforma Tributária não termina com a promulgação da PEC. Após a tramitação no Senado precisamos acompanhar:

Leis complementares e definição das alíquotas:

A definição das alíquotas-padrão, fatos geradores, bases de cálculo, hipóteses de não incidência, regimes específicos, diferenciados ou favorecidos, regras para distribuição recursos dos fundos, todos esses tópicos serão objetos de Leis Complementares. Essa regulamentação deve ocorrer ao longo do primeiro semestre de 2024.

Reforma do Imposto de Renda e a desoneração da folha:

A Reforma dos impostos que incidem sobre a renda e a desoneração da folha são tópicos essenciais para a agenda de redução da regressividade e aumento da produtividade do país. Há um debate entre os interlocutores sobre o melhor momento para apresentar essa continuação da reforma. Por um lado, uma tramitação concomitante à análise da PEC no Senado pode acelerar o processo, dado que 2024 é ano de eleições municipais, o que encurta o período prático de trabalhos no Congresso. Por outro lado, ao deixar duas pautas importantes dividindo a atenção dos parlamentares, corre-se o risco de “embolar o meio de campo”. A ideia do Ministro da Fazenda é apresentar dois projetos relacionados à tributação sobre a renda em agosto, junto da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2024, e o restante da segunda parte ficará para outubro, após a tramitação da reforma tributária sobre o consumo no Senado. 

CONCLUSÃO

Dado o ponto de partida do sistema tributário atual, que é extremamente complexo e ineficiente, é possível afirmar que a Reforma Tributária caminha para uma simplificação. Especialmente os setores industriais de cadeia longa passam a ser mais beneficiados com a adoção de um IVA sem cumulatividade plena, o que pode potencialmente, reduzir o preço dos produtos na ponta.

O setor de serviços, por outro lado, é quem mais pondera as vantagens da Reforma. Hoje, o valor dos tributos somados são da ordem de 10%. Se a alíquota padrão do novo IVA for 25%, como vem sendo especulado, o tamanho da carga tributária mais que dobra, podendo inviabilizar negócios. Os representantes de cada segmento buscam que a sua categoria seja incluída nos regimes favorecidos ou específicos. Como mencionado, o aumento das exceções acaba tendo como efeito uma elevação da alíquota-padrão. Contudo a resistência desse setor pode diminuir se, acompanhada da reforma do consumo, vier também a desoneração da folha de pagamentos. Uma vez que serviços são intensivos em mão-de-obra, essa desoneração seria o principal fator de melhoria de competitividade. Entender que a reforma do consumo é apenas uma etapa da reconstrução do sistema tributário brasileiro é essencial para analisar também as limitações do próprio texto.

Além das potenciais contribuições que o Senado deve fazer ao texto, muitos pontos importantes ainda precisam ser regulamentados por lei complementar, o que dificulta cálculos precisos sobre os impactos dessa reforma. 

O texto não é perfeito, e nem se propõe a ser. Estudos, como o do IPEA, apontam para os ganhos de produtividade da economia com um regime tributário que reduza as distorções alocativas e que diminua os custos de conformidade. Nesse sentido, o texto da PEC 45/2019 aproxima o Brasil das melhores práticas internacionais.

Essa PEC é um retrato da dinâmica de forças entre setores e entes federativos que, por meio da negociação, entregas de cargos e verbas, vai costurando o “politicamente viável”. É válido ressaltar que neste ano o Congresso vem fazendo um trabalho surpreendente de aprimoramento dos textos vindos do governo. Haddad, em conjunto das lideranças do Congresso, especialmente de Arthur Lira (PP-AL), estão conseguindo aprovar temáticas polêmicas em tempo recorde e com redações razoáveis. Assim, não acreditamos que, no Senado, as mudanças venham a alterar materialmente o texto para pior. Visto que, uma PEC precisa de concordância de ambas as casas, transformações radicais não possuem tanto espaço político para ocorrerem. 

Por fim, vemos que, para o mercado financeiro, uma parte do otimismo inicial com o encaminhamento da agenda econômica já está precificado. Hoje os investidores aguardam o desfecho por completo dessas pautas, mas já com menos prêmio.

As informações contidas neste material têm caráter meramente informativo, não constitui e nem deve ser interpretado como solicitação de compra ou venda, oferta ou recomendação de qualquer ativo financeiro, investimento, sugestão de alocação ou adoção de estratégias por parte dos destinatários. Este material é destinado à circulação exclusiva para a rede de relacionamento da Órama Investimentos, incluindo agentes autônomos e clientes, podendo também ser divulgado no site e/ou em outros meios de comunicação da Órama. Fica proibida sua reprodução ou redistribuição para qualquer pessoa, no todo ou em parte, qualquer que seja o propósito, sem o prévio consentimento expresso da Órama.
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