Transição Energética: um compromisso do presente para o futuro

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Direto ao ponto:

  • A transição energética faz parte de um compromisso global para mitigar os efeitos da mudança climática e envolve acordos internacionais (como o Acordo de Paris) com metas específicas domésticas para os países (Contribuição Nacionalmente Determinada – NDC). 
  •  O Brasil já saiu na frente, e possui uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, com  fontes renováveis contabilizando mais de 45% da demanda total de energia. Ao mesmo tempo, o país se mantém como o sétimo maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, com 3% do total mundial, sendo quase 50% dessas emissões brutas resultado de mudança de uso da terra e florestas (MUT).
  • Uma grande aliada no processo de transição energética e descarbonização da economia é a geração distribuída. Esse segmento pode fazer uso das fontes eólica e biomassa, mas 98% das instalações do segmento no país são em tecnologia solar.
  • A geração distribuída teve seu marco regulatório aprovado em 2022 (Lei 14.300/ 2022), o que trouxe incentivos para adiantar investimentos no curto prazo (para aproveitar as regras de transição), mas também trouxe mais segurança jurídica para o setor, especialmente para a modalidade de Geração Compartilhada, na qual o titular da unidade geradora é o consórcio/cooperativa.
  • A segurança energética se tornou uma temática extremamente relevante nos últimos anos após eventos extremos como secas no Brasil (demandando mais o uso de térmicas) e Guerra na Ucrânia (elevando o custo de gás e petróleo e pressionando a inflação). Se o fornecimento de energia estiver em cheque, no curto prazo, a garantia do abastecimento é uma prioridade. Ao mesmo tempo que a diversificação de fontes também se torna ainda mais relevante para o médio longo prazo. 
  • Seja como uma estratégia de adaptação de mercado seja por pressão de stakeholders, quem está investindo fortemente nesse mercado de energia renovável são as grandes empresas de petróleo que estão se transformando em empresas de energia de forma geral.
  • A necessidade de investimentos para o atingimento das metas globais somada à segurança jurídica do marco legal e a presença de grandes players  de petróleo nos levam a ter boas perspectivas para o setor de geração distribuída, especialmente para novas emissões no mercado de capitais.

TRANSIÇÃO ENERGÉTICA: UM COMPROMISSO GLOBAL

Em 2015, em um movimento histórico, 193 países assinaram o Acordo de Paris, um tratado internacional sobre mudanças climáticas. Naquele momento se reconheceu a importância e a urgência da temática ambiental para manutenção das condições de vida no planeta. 

A meta, nos termos do artigo 2.1(a) do Acordo de Paris, é “manter o aumento da temperatura média global bem abaixo de 2ºC acima dos níveis pré-industriais e envidar esforços para limitar esse aumento da temperatura a 1,5ºC em relação aos níveis pré-industriais”. A má notícia é que atualmente, a Terra já está cerca de 1,1°C mais quente do que no final de 1800, e as emissões continuam a aumentar.

Então, para atingir essas metas do Acordo de Paris, as emissões de gases de efeito estufa precisam ser cortadas em cerca de 45% até 2030 e chegar próximo de zero em 2050, o chamado “net zero”. 

Mais de 70 países, incluindo os maiores poluidores – China, Estados Unidos e União Europeia – miram esse alvo. Mas o que observamos é que os compromissos assumidos pelos governos até agora estão muito aquém do que é necessário. A contradição é que os atuais planos climáticos nacionais – para 193 Partes do Acordo de Paris em conjunto – levariam a um aumento considerável de quase 11% nas emissões globais de gases de efeito estufa até 2030, em comparação com os níveis de 2010. 

O grande desafio global é equilibrar a balança de oferta e demanda por energia. Segurança energética é essencial para garantir o bem-estar das populações e para o desenvolvimento dos países. Os combustíveis fósseis, como petróleo, carvão e gás natural, representam mais de 75% da demanda energética mundial e a queima destes, com liberação de CO₂, é um dos principais responsáveis pelo aquecimento global.  Além de poluentes, esses recursos são finitos, o que torna a busca por uma matriz energética renovável ainda mais importante para o longo prazo. 

Por isso, para mitigar esses impactos ambientais e atingir as metas do clima, é necessário investir e incentivar a transição energética mundial para uma matriz cada vez mais sustentável.

OS INVESTIMENTOS EM TRANSIÇÃO ENERGÉTICA

É importante definir que transição energética é o processo de transformação dos sistemas de produção, distribuição e consumo de energia, com o objetivo de torná-los mais sustentáveis e menos dependentes de combustíveis fósseis. Esse processo envolve tanto o desenvolvimento e aprimoramento de tecnologias relacionadas à energia renovável propriamente dita, mas também estratégias de mitigação, como melhorias em eficiência energética e captura com armazenamento de carbono (CCS), por exemplo.

Os investimentos globais em tecnologias de transição energética atingiram a marca recorde de mais de US$ 1 trilhão em 2022. No entanto, como mencionado, o atual ritmo de investimento não é suficiente para colocar o mundo no caminho do cumprimento das metas.

Como podemos ver no gráfico da esquerda, no último ano foram investidos 31% a mais em transição energética, em comparação com 2021. No gráfico da direita, já vemos o tamanho do mercado de energia renovável. De acordo com a Group Next Move Strategy Consulting, esse mercado chegou US$ 856 bilhões em 2021 e com uma projeção de crescimento  (CAGR) de 9,6% ao ano, deve alcançar mais de dois trilhões de dólares até 2030.

A REALIDADE DO BRASIL: UMA MATRIZ LIMPA, MAS EM TRANSFORMAÇÃO

Se o mundo tem um desafio enorme pela frente, o Brasil já saiu na frente, e possui uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo. Em 2021, fontes renováveis contabilizaram mais de 45% da demanda total de energia, três vezes o indicador mundial. Pelo lado da demanda total de energia elétrica, o percentual de renováveis foi de 84,8%, e na matriz de consumo de combustíveis para transportes, foi de 25%.  

A produção de biocombustíveis para o setor de transportes tem crescido substancialmente por meio do programa RenovaBio, que utiliza incentivos de mercado para promover a descarbonização e aumentar a produção desse tipo de combustível oriundo de fontes renováveis.

E não é porque o Brasil larga na frente em relação à composição da matriz energética que nós não temos compromissos internacionais com a transição energética. O Brasil se mantém em posição elevada entre os maiores emissores do planeta: o país é o sétimo maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, com 3% do total mundial, atrás de China (25,2%), EUA (12%), Índia (7%), União Europeia (6,6%), Rússia (4,1%) e Indonésia (4%). 

Como parte do Acordo, também precisamos estabelecer e atualizar a cada 5 anos nossa Contribuição Nacionalmente Determinada (Nationally Determined Contribution –  NDC). O NDC nada mais é que um plano de ação climática para reduzir as emissões e se adaptar aos impactos climáticos. 

O NDC do Brasil, atualizado em fevereiro de 2022, se compromete a reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% abaixo dos níveis de referência de 2005, em 2025, caminhando para 50% em 2030. O Brasil também antecipou para 2050 o objetivo indicativo de longo prazo de alcançar a neutralidade climática. 

O mais recente estudo sobre as emissões brasileiras, divulgado pelo Observatório do Clima, mostrou que 49% das emissões em 2021 são resultado de mudança de uso da terra e florestas (MUT) – setor que compreende principalmente o desmatamento. A agropecuária participa de 25% dessas emissões brutas. Em terceiro lugar, vem energia com 18%.

As usinas hidrelétricas respondem por cerca de 60% da capacidade nacional instalada, porém, dado os impactos socioambientais da construção de grandes barragens, o foco dos investimentos nos últimos anos se voltou para outras renováveis. Energia solar, eólica e da biomassa já correspondem a cerca de 20% da geração de energia elétrica no Brasil.  A busca por uma matriz cada vez mais limpa e renovável é um anseio para todos e uma grande aliada para a transição energética.

A recente aprovação do marco legal da geração distribuída (GD) Lei 14.300/ 2022,  contribuiu para o desenvolvimento desse segmento de mercado. Além de sustentável, a geração de energia de forma descentralizada é uma solução economicamente atrativa e operacionalmente otimizada, que traz benefícios tanto para o consumidor, quanto para o estado. 

GERAÇÃO DISTRIBUÍDA: UMA ALIADA PARA A TRANSIÇÃO ENERGÉTICA

O marco legal da micro e minigeração distribuída (GD) foi instituído através da Lei 14.300/2022. Essa legislação estabelece o regramento dessa modalidade que permite que consumidores gerem eletricidade e obtenham economia na conta de luz por meio de um sistema de compensação de créditos com a concessionária de distribuição.

O termo geração distribuída (GD) surge em oposição à geração centralizada (GC),  essa última é composta por usinas de grande porte, que são conectadas ao Sistema Interligado Nacional (SIN), o sistema elétrico que leva energia ao consumo por meio de uma rede de transmissão e distribuição. A GD, por sua vez, como a geração está próxima do consumo, tem vantagem sobre a geração central justamente por economizar investimentos em transmissão e reduzir as perdas nestes sistemas, melhorando a estabilidade do serviço de energia elétrica.

A GD pode fazer uso das fontes eólica, solar e biomassa para gerar energia. Por questões de custo e versatilidade, a tecnologia solar fotovoltaica responde por mais de 98% das instalações do segmento no País.

As principais mudanças que a Lei 14300 traz para o mercado de GD no Brasil se referem ao sistema de compensação de créditos.  Vale destacar as diferenças entre os três modelos de compensação. 

  • Geração junto a carga: a geração e o consumo de energia acontecem no mesmo local. Parte da geração da energia é consumida instantaneamente e o excedente de energia é convertido em créditos válidos por 60 meses.  
  • Autoconsumo remoto: o titular da unidade consumidora é o cliente final que pode usufruir do excedente de energia em outra unidade consumidora. É necessário que as unidades consumidoras estejam registradas no mesmo CPF/CNPJ e sejam atendidas pela mesma concessionária de energia elétrica.  
  • Geração Compartilhada: nessa modalidade o titular da unidade geradora é o consórcio/cooperativa. Permite que diferentes CPF/CNPJs usufruam da geração de energia elétrica. Estes podem estar em localidades diferentes mas devem ser atendidos pela mesma concessionária.

Até 2021, a geração junto a carga representou 84% do número acumulado de instalações, enquanto o auto consumo e a geração compartilhada eram, respectivamente, 15% e 1% do total. A segurança jurídica que a lei 14.300 trouxe às empresas da área deve garantir o crescimento da modalidade de geração compartilhada. A entrada desses players com uma maior “profissionalização” no segmento de geração distribuída faz com que aumente a necessidade de financiamento desses projetos através do mercado de capitais e, principalmente, no primeiro semestre de 2023.

Conforme o marco legal, sistemas já existentes ou que protocolaram solicitação de acesso em até 12 meses após a publicação da lei, ou seja,  06 de janeiro de 2023, permanecerão sob a regra de paridade tarifária (todo watt injetado pelo consumidor é compensado integralmente na conta de luz, num sistema 1 para 1) até 31 de dezembro de 2045. Essa situação é definida como “direito adquirido”.

Projetos que se conectarem entre janeiro e julho de 2023 terão direito a uma transição até 31 de dezembro de 2030. Para as unidades consumidoras que se conectarem após 18 meses da aprovação da Lei, a transição termina em 31 de dezembro de 2028. Nesses dois últimos casos, os projetos serão cobrados por alguns componentes tarifários de forma escalonada, a depender das características do sistema.

As regras definitivas começarão a ser válidas em janeiro de 2029 para consumidores que protocolarem a solicitação de acesso após julho de 2023. Para aqueles que protocolaram entre janeiro e julho de 2023, o início é em 1º de janeiro de 2031. E para os consumidores com direito adquirido, somente em 1º de janeiro de 2046.

Para aproveitar esse benefício da transição, desde a publicação da Lei 14.300, em 7 de janeiro de 2022, já foram efetivadas pelas distribuidoras de todo o Brasil mais de 780 mil conexões de micro e minigeração distribuída, totalizando mais de 7,6 GW de potência instalada. Esses números representam um aumento de 60% em relação ao número de conexões e 54% da potência instalada em relação ao verificado nos 13 meses anteriores à publicação da Lei. Cerca de 47% do total de conexões e de 44% da potência instalada de todo o histórico registrado desde 2009 ocorreu após a publicação do marco regulatório..

A necessidade de um maior consumo de energia e os incentivos para atingimento de metas de descarbonização devem continuar impulsionando a geração distribuída. A instalação de painéis de energia solar e demais fontes do segmento de GD deve seguir crescendo e sendo atrativa ao longo dos próximos anos. Um dos grandes atores que estão investindo pesadamente nesse setor, curiosamente, são as maiores empresas de petróleo, em um movimento extremamente importante para elas também. 

O PAPEL DAS EMPRESAS DE PETRÓLEO NA TRANSIÇÃO ENERGÉTICA

Inicialmente, se esperava que houvesse uma migração dos investimentos em combustíveis fósseis para energias renováveis. Porém, nos últimos anos, com eventos extremos como secas no Brasil (demandando mais o uso de térmicas) e Guerra na Ucrânia (elevando o custo de gás e petróleo e pressionando a inflação), houve um certo entendimento dos países que a segurança energética é um ponto estrutural da transição energética. Se o fornecimento de energia estiver em cheque, no curto prazo, a garantia do abastecimento é uma prioridade. Ao mesmo tempo que a diversificação de fontes também se torna ainda mais relevante para o médio longo prazo. 

Assim, identificamos que a coexistência entre os modelos de negócio “sujo” e “limpo” é a realidade da transição muito mais do que uma substituição abrupta. Isso fica ainda mais evidente se olharmos que empresas líderes do mercado de petróleo estão se transformando em empresas de energia.

O movimento foi identificado pela International Renewable Energy Agency (IRENA). A pressão de stakeholders, sejam eles, governos, acionistas, sociedade civil de forma geral, vem levando as petroleiras a se adaptarem e não só colocarem metas de redução de emissões, mas criando linhas de negócio para investir diretamente em energias renováveis. A  conclusão da IRENA é que as empresas de petróleo podem não somente desempenhar um papel crítico no preenchimento da lacuna de investimentos em energias renováveis, mas podem liderar a descarbonização do sistema energético para o atingimento das metas climáticas. 

E isso já pode ser observado no Brasil, que está entre os quatro principais países para investimentos em energias renováveis do grupo Shell, por exemplo. A Eneva, que também explora e produz petróleo e gás natural,  anunciou no dia 24 de abril, o investimento de mais de R$ 5,5 milhões na Sunne, que negocia energia solar junto a pequenos e médios consumidores via geração compartilhada. Petrobras, ExxonMobil, Statoil e outras gigantes do setor também já têm projetos nas áreas de energia renovável e/ou limpa.

A segurança jurídica proporcionada pelo marco regulatório de GD assim como essa participação de grandes players de petróleo são sinais importantes de avanço e boas perspectivas para o crescimento do setor no mercado de capitais. 

CONCLUSÃO

As metas do Acordo de Paris estão postas e a transição energética é uma temática que envolve compromissos internacionais importantes. O Brasil já sai na frente com uma matriz energética muito mais limpa que o resto do mundo. Porém, isso não quer dizer que podemos nos acomodar. O marco regulatório da Geração Distribuída é um sinal de avanço no setor energético, trazendo segurança jurídica para as empresas também poderem investir nesse segmento. 

Uma questão importante é que nos últimos anos, com eventos extremos como secas no Brasil e Guerra na Ucrânia, houve um certo entendimento que a segurança energética é um ponto estrutural da transição. E esse movimento de descarbonização está sendo protagonizado pelas grandes petroleiras que hoje se identificam como empresas de energia de forma mais ampla.

Com players relevantes entrando nesse mercado e também com os avanços regulatórios recentes vemos boas perspectivas para o setor e a necessidade de financiamento via mercado de capitais, o que deve aumentar a oferta de produtos desta categoria. 

Este material foi elaborado pela Órama DTVM S.A.. Este material não é uma recomendação e não pode ser considerado como tal. Recomendamos o preenchimento do seu perfil de investidor antes da realização de investimentos, bem como que entre em contato com seu assessor para orientação com base em suas características e objetivos pessoais. Investimentos nos mercados financeiros e de capitais estão sujeitos a riscos de perda superior ao valor total do capital investido. Este material tem propósito meramente informativo. A Órama não se responsabiliza por decisões de investimentos que venham a ser tomadas com base nas informações aqui divulgadas. As informações deste material estão atualizadas até 05/05/2023. 

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