A visita de Nancy Pelosi à Taiwan

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Ambiguidade estratégica americana em um ano politicamente importante para EUA e China

O QUE ESTÁ ACONTECENDO?

Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos EUA, está em uma viagem pela Ásia e desembarcou hoje em Taiwan. Pelosi é a primeira representante do Congresso americano a fazer isso desde 1997. As relações entre EUA, Taiwan e China são regidas pela política de ambiguidade estratégica, em que os EUA não reconhecem oficialmente a existência de Taiwan como um Estado, mas têm relações com a ilha, inclusive com comércio de armamentos. 

E QUAL É A POLÊMICA?

Essa viagem elevou a tensão geopolítica entre China e EUA pelo fato de Nancy Pelosi ser uma figura importante no partido Democrata e a segunda na linha sucessória da Casa Branca. O ato é visto como uma provocação pelas autoridades chinesas que já haviam se manifestado que os EUA estavam “brincando com fogo

Uma das poucas coisas que são inegociáveis para a China é o questionamento do princípio “Um País, dois Sistemas” ou “Uma só China”. Taiwan, que se reconhece como República da China, é considerada pela China continental como apenas uma província. Como tal, sem reconhecimento internacional de um Estado soberano, negociações de alto nível, como o caso da Nancy Pelosi, não deveriam acontecer sem o consentimento de Pequim. 

Em uma escala de autonomia, no mais alto nível da administração pública chinesa, a província é a que tem o menor grau de liberdade em relação ao governo central. A China, tem 34 subdivisões sendo, 23 províncias (incluindo a Província de Taiwan, que é um território contestado), 4 municipalidades com status de província, 5 regiões autônomas e 2 regiões administrativas especiais (Hong Kong e Macau). 

A situação de Taiwan é ainda mais delicada porque a ilha é a principal memória dos chineses do que eles classificam como o Século da Humilhação (1839 – 1949). Durante esse período de monarquia fraca, imperialismo ocidental e japonês e um governo nacionalista condencendente, os chineses perderam o controle sobre seu território, o que manchou o orgulho nacional. Como resultado desse histórico conflituoso, o reconhecimento da unidade territorial é uma das principais reivindicações diplomáticas da China de hoje. 

COMO E QUANDO SURGIU ESSE ATRITO ENTRE A CHINA CONTINENTAL E TAIWAN?

A Ilha de Formosa, principal do arquipélago que forma Taiwan, foi o refúgio do Kuomintang, o Partido Nacionalista, quando este perdeu a guerra civil para o Partido Comunista em 1949. Desde então, foi instaurado em Taiwan um governo provisório que tinha (e em teoria ainda tem) como objetivo recuperar os territórios da China Continental. 

Durante a Guerra Fria, Taiwan se reconheceu como República da China, em contraposição à República Popular da China – regida pelo Partido Comunista Chinês na China Continental. De 1949 até 1971 a unidade da representação diplomática da China como um todo era detida pela República da China. Ou seja, até no Conselho de Segurança das Nações Unidas, quem falava em nome da “China”, era o governo de Taiwan.

MAS O QUE A PELOSI FOI FAZER EM TAIWAN?

Essa pergunta foi respondida pela própria Nancy Pelosi no Twitter

“Nossa visita faz parte de nossa viagem mais ampla ao Indo-Pacífico – incluindo Cingapura, Malásia, Coréia do Sul e Japão – focada em segurança mútua, parceria econômica e governança democrática. Nossas discussões com a liderança de Taiwan se concentrarão em reafirmar nosso apoio ao nosso parceiro e na promoção de nossos interesses compartilhados, incluindo o avanço de uma região do Indo-Pacífico livre e aberta. A solidariedade dos Estados Unidos com os 23 milhões de habitantes de Taiwan é mais importante hoje do que nunca, pois o mundo enfrenta uma escolha entre autocracia e democracia.

Nossa visita é uma das várias delegações do Congresso a Taiwan – e de forma alguma contradiz a política de longa data dos Estados Unidos, guiada pela Lei de Relações de Taiwan de 1979, Comunicados Conjuntos EUA-China e as Seis Garantias. Os Estados Unidos continuam a se opor aos esforços unilaterais para mudar o status quo”.

O QUE É IMPORTANTE DESSA FALA? 

Pelosi tenta diminuir as tensões ao colocar que ela já estava em uma visita pelo Indo-Pacífico e que outras Delegações de Representantes do Congresso também estavam fazendo esse movimento de discutir pautas relevantes com Taiwan. 

Porém, dá uma alfinetada em Pequim ao colocar que “o mundo enfrenta a escolha entre autocracia e democracia”. Essa contraposição também vem sendo usada para tratar da guerra na Ucrânia, colocando “o Ocidente democrático” x “Putin autocrata”. As críticas sobre o regime chinês que já existiam, foram repaginadas à medida que China não se opôs à guerra como gostaria o Ocidente. Os chineses são hoje um importante parceiro comercial russo para o escoamento de petróleo e derivados.

Por último, a presidente da Câmara faz um adendo que essa visita em nada muda as bases da relação entre EUA-Taiwan-China (que são regidas pelos: Taiwan Relations Act, U.S.-China Joint Communiqué e pelo Six Assurances). Pelosi exemplifica, mais uma vez, o que é denominada de diplomacia da “ambiguidade estratégica”: uma espécie de “morde e assopra” que permite os EUA navegar nas negociações entre Taiwan e China.

QUAIS AS CONSEQUÊNCIAS DESSA VISITA?

Nem Xi Jinping nem Joe Biden têm interesse em desencadear um conflito que poderia causar ainda mais danos econômicos a ambos os países, que já estão enfrentando uma desaceleração da atividade. 

Contudo, a retórica belicosa, a crescente animosidade em ambos os países e as movimentações militares que já estão acontecendo aumentam a pressão sobre Xi para dar uma resposta forte. O presidente chinês deseja demonstrar força porque se aproxima do 20º Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês. Nesta reunião de novembro, que ocorre a cada 5 anos, Xi deve garantir um terceiro mandato.

Por outro lado, os democratas também precisam melhorar seu apoio interno, visto que as eleições de Midterm também estão marcadas para novembro. O governo Biden vem despontando nas pesquisas e corre o risco de perder a estreita maioria na Câmara e o empate no Senado. Por isso, para os democratas a visita de Pelosi pode ser bem recebida e angariar mais votos.

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